Sempre achei que Sebastião Salgado fosse uma figura mainstream e, por que não, o fotógrafo mais conhecido do Brasil, até um colega folhear “Perfume de um Sonho” e reclamar que o livro tinha muita foto e pouco texto. Enfim, sempre bom lembrar que o Brasil é esse país diverso de meu deus.

Sebastião Salgado foi meu primeiro contato com a fotografia, mesmo que ninguém próximo se interessasse por isso. A primeira edição brasileira de Terra vinha com um CD do Chico Buarque, figura muito apreciada na família, isso mais a entrevista dos dois e do Saramago no Programa do Jô, garantiu uma porta sempre aberta pra ele lá em casa (mesmo que seus livros não fossem uma coisa que a gente pudesse pagar o tempo todo).

Quando comecei a fazer as minhas próprias fotos, fui entender que aquelas obras não eram só bonitas e cheias de significado, mas que eram uma coisa única, difícil pra diabo de fazer e que o fotógrafo carrega uma responsabilidade enorme nas costas em cada uma delas.

Assisti esses dois documentários e li essa biografia com o coração na mão, achando que alguma hora eu ia quebrar a cara, que o mito ia ser na verdade um escrotão. Mas o Sebastião Salgado é exatamente a pessoa que a gente espera que faça as fotos do Sebastião Salgado.

Revelando Sebastião Salgado

Assisti esse documentário na Mostra de São Paulo, em uma sessão com a diretora Betse de Paula, e foi ótimo ouvir os comentários dela no final. Toda a filmagem foi feita em poucos dias, do jeito que o próprio Sebastião, cheio de manias, meio que disse que ia ser. Pelas observações que ela fez, tudo foi muito direto, simples e natural. O documentário é inteiro filmado na sua casa e vizinhança, com Lélia Wadick Salgado presente o tempo todo, participando da mesma forma que participa da carreira dele (ela é responsável pela curadoria de todos os livros e exposições do marido, baita equipe).

O Sal da Terra

Eu esperava uma coisa um pouco diferente aqui. As primeiras cenas desse documentário mostram o Sebastião fazendo uma das fotos do Gênesis e pensei que “nossa, a gente vai ter a chance de ver como ele trabalha”, mas essa foi só a introdução mesmo, o resto do filme, embora acompanhe bastante ele clickando em campo, segue o ritmo de entrevista do doc anterior e, nesse ponto, achei o outro mais intimista.

Esse filme concorreu ao Oscar de Melhor Documentário em 2015 e tá no Netflix. ;)

Da minha terra à Terra

Embora também tenha sido escrito através de uma entrevista (dá pra entender o processo nesse vídeo dele com o médico preferido do Twitter), Da Minha Terra à Terra vai muito mais fundo que os dois documentários. Talvez pelo tempo disponível, talvez pelo fato da leitura tornar tudo mais íntimo.

Eu esperava apenas um livro de fotografia, mas acabei encontrando uma análise econômica e social de todos os temas que cercam as obras de Salgado, tudo de um forma muito didática e que pode ser compreendida por qualquer leigo. Sebastião Salgado tem essa visão humana e é maravilhoso ver uma aula de economia, com argumentos técnicos e racionais embasando essa forma de olhar o mundo.

Em Da Minha Terra à Terra, ele também explica a motivação de cada um de seus projetos e a relação entre eles, seu processo criativo, seus objetivos. Para quem se interessa mais pela técnica, tem um capítulo dedicado à transição do analógico para o digital, o que o fez decidir por isso e as implicações da escolha. Ele também fala sobre os processos de transportar seu equipamento por zonas de guerra e pelos locais isolados de Gênesis.

Em tempo, é lendo a vida de Sebastião Salgado que a gente entende mais da fotografia dele. Fotografia não é a técnica, não é o equipamento, não é a formação, não é a experiência e não é feita sozinho. Fotografia é um conjunto. É sempre a pessoa toda, a história dela e quem está em volta. Salgado saiu de uma infância em uma sociedade completamente igualitária, para ser perseguido na ditadura militar e virar expatriado na França. É um economista formado que teve um dos cargos de maior prestígio do mundo, é pai de dois meninos (um deles trissômico) e tem uma Lélia. O que ele vê e o que ele mostra é resultado de tudo isso. E é por isso que é único.